“Levanta-te e come, porque o caminho é longo” (1Rs 19,7)
A Família Carmelitana nasce ao redor da figura do Profeta Elias
A Ordem do Carmo nasceu no Monte Carmelo em torno do ano de 1200. O Monte Carmelo atraía os peregrinos por causa da memória do profeta Elias que ali vigorava. Por isso, desde o começo, a figura do profeta Elias marca a espiritualidade carmelitana. Queremos aprofundar quem devemos ser como carmelitas e qual a nossa missão hoje no Brasil.
O eixo central que atravessa e unifica as histórias de Elias é a imagem do homem que caminha. Caminhar sempre! A intervenção constante da Palavra de Deus obriga Elias a sair do lugar onde se encontra para o lugar onde Deus o quer: “Vai-te daqui!” (1Rs 17,2; cf 1Rs 17,9; 18,1.12.46; 19,7.11.15; 21,18; 2Rs 1,3.15; 2,2.3.4.5.6.11). Elias deve caminhar. Ele já não se pertence. Sua vida tornou-se uma despedida contínua. E invariavelmente a resposta é esta: “E Elias partiu e fez como Javé tinha mandado!” (1Rs 17,5; cfr 1Rs 17,10;18,2.15; 19,8.13.19; 2R 1,4.15; 2,2.4.6). A caminhada de Elias começa com o chamado de Deus para ir esconder-se na torrenteCarit. Carit é o início, a primeira etapa, de uma longa caminhada em busca de uma convivência humana mais justa e mais fraterna.
Este caminhar constante de Elias, motivado pela Palavra, era o espelho onde o povo do cativeiro encontrava luz e força para caminhar e não desanimar. Era o espelho onde os primeiros carmelitas encontravam refletido o itinerário místico que os orientava na sua busca de Deus. É o espelho, onde nós, hoje, encontramos algo de nós mesmos, dos nossos problemas e aspirações e da nossa esperança.
A importância da Tradição Eliana da Ordem, desde a sua origem, transparece no “Liber Institutionis Primorum Monachorum“. Em cada período da nossa história, os Carmelitas souberam reler a figura do profeta Elias, para que inspirasse o Carmelo na observância e na vivência da Regra de Santo Alberto. A tradição Eliana acompanhava a evolução e as exigências da Ordem em cada época.
O Profeta Elias encarna a
profecia
No episódio da Transfiguração de Jesus (Lc 9,30), o
Antigo Testamento está representado por Moisés e Elias. Moisés encarna a Lei;
Elias, a profecia. Apesar de ele ser considerado o primeiro dos grandes
profetas e de encarnar a profecia, não existe na Bíblia o Livro do Profeta Elias. Outros
profetas, bem menos importantes, têm um livro: Jonas, Naum, Ageu, etc. Por que?
As histórias de Elias estão no primeiro e segundo
livro dos Reis, que nós chamamos de Livros
Históricos. A Bíblia Hebraica chama estes livros de Profetas Anteriores. Este nome mostra que
a eles não interessava conhecer só a história
dos reis. Eles queriam conhecer a história enquanto interpretada com um olhar profético. Por isso chamam
esses livros de Profetas
ou Proféticos. Isto os
ajudava a discernir melhor os apelos de Deus dentro dos fatos da sua própria
vida.
Antes de Elias já houve muitos profetas, pois o
movimento profético era um fenômeno comum que fazia parte da cultura da época.
Todos os reis tanto de Israel e de Judá como dos outros povos, cada um no seu
reino, tinham os seus profetas para legitimar o poder real diante do povo.
Apoiado pelos profetas, cada rei governava seu povo em nome da sua divindade.
Mas Elias era um profeta diferente.
Em Elias a profecia irrompe autônoma e cria
liberdade frente ao sistema da monarquia. Ele é o primeiro que, a partir da sua
experiência de Deus como Javé,
(presença libertadora), teve a coragem de enfrentar o poder absoluto e
pretensamente divino da monarquia e de denunciar as injustiças cometidas pelo
rei Acab e pela rainha Jezabel. Através de Elias, o carisma começa a questionar o poder. Por isso, ele
tornou-se o símbolo da ação profética em Israel! A partir dele se começa a ler
a história dos reis com um olhar profético, nascido da fé em Javé.
As histórias do profeta
Elias
Elias viveu no século IX antes de Cristo. Desde
aquela época , as histórias da sua atuação como profeta eram transmitidas
oralmente ao longo das gerações. A organização mais sistemática destas
histórias, da maneira como elas agora se encontram no livro dos Reis, só teve
início durante o cativeiro da Babilônia no século VI aC. Durante o cativeiro, o
povo exilado começou a despertar sua memória e recordar as histórias do seu
passado para nelas encontrar luz e força diante dos graves problemas que estava
vivendo. Foi neste ambiente de revisão, que as histórias de Elias começaram a
ser redigidas para ajudar o povo do cativeiro a descobrir a causa da crise e
oferecer-lhe um projeto de reconstrução da sua identidade como Povo de Deus.
As histórias do profeta Elias são muito mais que só
história. O povo do cativeiro olhava para elas como num espelho para descobrir
aí a sua missão. Elas eram narradas para despertar nos ouvintes uma consciência
mais crítica, tanto frente à monarquia de Israel, quanto frente à tentação
sedutora dos ídolos do império da Babilônia na época do cativeiro. Transmitidas
de geração em geração, estas histórias faziam parte da identidade do povo. Seu
objetivo era provocar no povo a mesma ação em defesa da Aliança que tinha
caracterizado o profeta Elias.
As histórias de Elias são histórias populares. Aqui vale o
que acontece em todas as histórias populares: Quem conta um conto aumenta um ponto. De tão usadas
e narradas ao longo dos séculos, as histórias de Elias se parecem com aquele
livro que, por causa do uso freqüente, foi perdendo as capas da frente e de
atrás. Na história de Elias faltam o começo e o fim. A Bíblia não conta o
nascimento nem a morte do profeta. Só sobraram seis histórias que agora ocupam
seis capítulos nos dois livros dos Reis. Parece um álbum com seis grandes
fotografias. Cada foto, cada capítulo traz um assunto bem determinado. Eis a
sequencia:
1Rs 17: Na torrente Carit e em Sarepta: a preparação do profeta.
Sua ida para Carit no outro lado do Jordão e para
Sarepta na casa da viúva, da qual recebeu sua confirmação como Homem de Deus
que comunica ao povo a Palavra de Deus.
1Rs 18: No Monte Carmelo, perto da fonte: a defesa da Aliança.
A atuação como profeta no Monte Carmelo. Para
defender a Aliança Elias enfrenta o Rei e os falsos profetas. No fim, recebe a
confirmação do povo, desfaz a seca e traz chuva de volta.
1Rs 19: No deserto e no Monte Horeb: a crise e a maneira de
superá-la.
Elias foge de Jezabel e quer morrer, mas o anjo o
alimenta e o ajuda a caminhar. Na Brisa Leve, ele se converte e se reencontra
consigo, com Deus e com a missão.
1Rs 21: Na vinha de Nabote: a denúncia e a luta pela justiça.
A injustiça do sistema dos Reis se manifesta no
roubo das terras, na manipulação da religião pelo rei e no assassinato de
Nabot. Elias enfrenta o Rei e denuncia a injustiça cometida.
2Rs 01: No alto do Monte: o homem de Deus e do fogo.
Sentado no alto do Monte, na solidão, Elias faz
descer um raio do céu contra os que não reconhecem a Javé como o Deus da vida.
Mas acolhe o pedido de quem quer preservar a vida.
2Rs 02: Na travessia do Jordão e no Carro de fogo: a continuidade
da missão
Arrebatado em Espírito. Elias deixa
uma dupla porção do seu espírito para Eliseu. Eliseu invoca Javé como “o Deus
de Elias”. Elias continua sua missão nos filhos dos profetas.
São seis histórias bem populares onde o povo olhava
como num espelho para descobrir sua missão. Elas eram transmitidas de geração
em geração para despertar a consciência e provocar nos ouvintes a mesma ação em
defesa da Aliança e da Vida. Por isso, Elias tornou-se o Santo mais popular do
povo da Bíblia. Símbolo da ação profética! Ele entrou na imaginação popular como
o santo dos impossíveis. Na Palestina ele é até hoje o santo mais venerado de
Cristãos, Judeus e Muçulmanos. É um santo ecumênico!
É por isso que na Bíblia existem tantos textos
espalhados sobre o profeta Elias. Eles mostram a variedade com que ele era
venerado pelo povo:
1. O livro do Eclesiástico valoriza nele o Homem
obediente à Palavra(Eclo 48,1-11).
2. Malaquias espera a volta de Elias como o Homem da
Aliança(Mal 2,23-24).
3. Nos evangelhos Elias aparece como o homem que
deve reorganizar o povo(Lc 1,17).
4. Na Transfiguração Elias aparece ao lado de Moisés
como síntese da profecia do AT.
5. Para São Paulo Elias é o Homem que denuncia a
infidelidade do povo(Rom 11,2-4).
6. A carta de Tiago resume a vida de Elias como
Homem da Oração(Tiago 5,17-18)
7. No Apocalipse Elias aparece como o homem do
testemunho até à morte(Apoc 11,3.5).
8. A tradição rabínica conserva de Elias a imagem do
homem do deserto.
9. A devoção popular invoca Elias como o Santo dos
impossíveis.
10. A tradição carmelitana acentua o homem do
Caminho.
Estela Márcia/ocds (Conf. Frei Carlos Mesters)
Nenhum comentário:
Postar um comentário