Com a alma inebriada por tão grande alegria, através da riqueza da
Liturgia desta 4ª feira de Cinzas, rasgamos o coração para meditarmos tamanho
bem que a Igreja nos convida a viver. A propósito deste momento forte de
oração, abstinência e carne, e jejum, somos convidados a meditar sobre as
nossas práticas exteriores sim, mas, sobretudo, com respeito a vida interior de
liberdade com Deus, num colóquio de amor, esperança e fé. Se no plano exterior,
o Senhor Jesus nos convida a “não praticar a justiça diante dos homens só para
sermos vistos e elogiados por eles” (MT 6,1), no plano interior, somos
ensinados a “quando
orardes, não sermos como os hipócritas, que gostam de rezar de pé, nas
sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens, mas quando
orarmos, o fazermos no silêncio de nosso coração.” (Conf. MT 6,5-6)
Nas primeiras horas do dia, cheia de
propósitos penitenciais, um Hino de amor e esperança ressoa na alma orante que
clama, e que, por ser pecadora e necessitada da Graça de Deus, recebe o socorro
devidamente inspirado: “Agora é tempo
favorável, divino dom da Providência, para curar o mundo enfermo com um remédio, a
penitência. Da salvação refulge o dia, na luz de Cristo a
fulgurar. O coração, que o mal feriu, a abstinência vem curar. Em corpo e alma,
a abstinência, Deus, ajudai-nos a guardar. Por tal passagem, poderemos à páscoa
eterna, enfim, chegar. Todo o Universo vos adore, Trindade Santa, Sumo Bem.
Novos por graça entoaremos um canto novo a vós. Amém.” (Ofício das
Leituras) Se dúvidas houvessem, a alma neste instante já estaria sendo
socorrida. No entanto, ao percorrer os salmos e as leituras, imediatamente, se
reencontra com o Seu Deus, e com Ele se renova. Com Ele reinicia o caminho de
volta.
O caminho de volta será percorrido
nos quarenta dias por Ele proposto, que é a QUARESMA. E é este caminho com
proposta exigente, desprovido de vaidade e com profunda entrega e abandono nas
mãos de Deus, que Ele deseja que esta alma faça: “Não façais jejum com esse espírito, se quereis que vosso pedido seja
ouvido no céu. Acaso é esse jejum que aprecio, o dia em que uma pessoa se
mortifica? Trata-se talvez de curvar a cabeça como junco, e de deitar-se em
saco e sobre cinza? Acaso chamas a isso jejum, dia grato ao Senhor? Acaso o
jejum que prefiro não é outro: - quebrar as cadeias injustas, desligar as
amarras do jugo, tornar livres os que estão detidos, enfim, romper todo o tipo
de sujeição? Não é repartir o pão com o faminto, acolher em casa os pobres e
peregrinos? Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne.
Então, brilhará tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais
depressa; à frente caminhará tua justiça e a glória do Senhor te seguirá. Então
invocarás o Senhor e ele te atenderá, pedirás socorro, e ele dirá: ‘Eis-me
aqui’”. (Is 58,4b-9)
Para a alma que se encontrava
sedenta e árida pelos revezes da vida “Este é o tempo favorável”. Tempo da alma
enfraquecida nos seus sarmentos - como de uma planta e seus rebentos, ainda não podados, cheio de hastes lenhosas,
prontas para serem queimadas, e com raízes nas articulações nodosas,
impossibilitada de seguir o seu curso de trepadeira – encontrar o que ela
necessita. Ainda lhe dirá o Senhor: “Se
destruíres teus instrumentos de opressão, e deixares os hábitos autoritários e
a linguagem maldosa; se acolheres de coração aberto o indigente e prestares
todo o socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura
será como o meio-dia. O Senhor te conduzirá sempre e saciará tua sede na aridez
da vida, e renovará o vigor do teu corpo; serás como um jardim bem regado, como
uma fonte de águas que jamais secarão.” (Is 58,9b-11)
Diante dos princípios eternos,
tomando posse das palavras de ordem que lhe chegam através das promessas do Seu
Senhor, esta alma cheia de fé, esperança e amor, se lança a renovação. E com o
Seu Deus, nestes quarenta dias, se propõe a renovar os propósitos por Ele
iluminados, e agora, esclarecidos. Exultando com tamanhos bens, se lança ao
anúncio e a convocação de todos os que o Senhor lhe confiou, como fez o profeta
Joel: Agora, diz o Senhor, voltai para
mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração,
e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e
compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo’.
Quem sabe, se ele se volta para vós e vos perdoa, e deixa atrás de si a bênção,
oblação e libação para o Senhor, vosso Deus? Tocai trombeta em Sião, prescrevei
o jejum sagrado, convocai a assembleia; congregai o povo, realizai cerimônias
de culto, reuni anciãos, ajuntai crianças e lactentes; deixe o esposo seu
aposento, e a esposa, seu leito. Chorem, postos entre o vestíbulo e o altar, os
ministros sagrados do Senhor, e digam: ‘Perdoa, Senhor, a teu povo, e não
deixes que esta tua herança sofra infâmia e que as nações a dominem’. Por que
se haveria de dizer entre os povos: ‘Onde está o Deus deles?’ Então o Senhor
encheu-se de zelo por sua terra e perdoou ao seu povo.” (Jl
2,12-18)
As almas que desejam se reconciliar com o Senhor precisam atentar para
“Este tempo favorável”. Tempo do socorro de Deus. Tempo de reconciliação com
Deus, com os irmãos e consigo mesmo. Tempo de salvação é fé. Tempo de crer e renovar
a esperança no Filho de Deus que por nós se ofereceu ao Pai. Tempo de
assumirmos a nossa morte no Batismo, e nosso nascimento para Deus, por meio de
Jesus Cristo. E como embaixadores, deste mesmo Cristo, anunciar: “Irmãos: Somos embaixadores de Cristo, e é Deus mesmo que exorta através
de nós. Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus.
Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele
nos tornemos justiça de Deus. Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a
não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: ‘No momento favorável, eu
te ouvi e, no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é
agora o dia da salvação.” (2Cor 5,20 – 6,2)
Vivamos intensamente
‘Este tempo favorável’! Que Deus, e os auxílios de Nossa Senhora, com seus anjos e santos, nos ajudem a viver,
nesta QUARESMA, os favores de sua Graça em preparação para a Páscoa neste
tempo, e na vida futura!
Estela Márcia
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